terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Dia de Feira

Simone, Jéssica e Maria Fernanda. Três estudantes de jornalismo e um desafio: ser garçonete por um dia. Sentir na pele as dificuldades de lidar com a qualidade do alimento e o atendimento ao cliente. Para essa tarefa um ambiente comum nas manhãs de domingo entre os cascavelenses, a feirinha do produtor.
Esse espaço tem história não só aqui na cidade como em todos os lados do mundo. Ela já foi palco de cenas de novela como "A cor do pecado" onde o personagem de Tays Araújo vendia tapiocas. Também não deixou de fazer cenário aos golpes de Jack Chan em muitos dos seus filmes. E não para por aí, a feirinha tem a cara dos consumidores, pessoas buscando descanso e sabores que deixem o dia ainda mais especial.
 Nem mesmo a chuva atrapalha o café quentinho preparado pela Nena, o pastel fresquinho da Dona Zé, a tapioca da Neiva e da Leila, e nem mesmo o sabor das pamonhas preparadas pela Laís. E em pleno domingo de garoa fina, o chamado dia preguiçoso, lá estão todas elas com as barracas preparadas desde a madrugada esperando os clientes chegarem.
O atendimento deve ser tão bom ou melhor que o sabor de cada uma das delícias preparadas aqui. E, para que tudo isso aconteça uma peça é fundamental, a garçonete!
De longe um trabalho que parece simples. Sentadas aqui na mesa, consumindo, a gente observa que elas só precisam buscar e levar os pedidos de um lado para o outro. Então, vamos ao trabalho: Jéssica Moreira na barraca de tapioca, Simone Lima na do pastel, e na barraquinha da pamonha Maria Fernanda.
Em pouco tempo já deu para ver que estar do outro lado da história não é fácil. Produzir ao invés de consumir, exige um esforço bem maior, mental e físico.

Pamonha, olha a pamonha, baratinha!
Fui muito bem recebida pela Laís, que com entusiasmo me contou que havia chegado as 06h45min, tem apenas 15 anos, ajuda na confecção das pamonhas e nas vendas, ainda não tinha terminado o assunto e já chega um cliente - “bom dia, me vê uma pamonha doce, pra levar”, fiquei atenta a cada gesto de Laís, eu não poderia decepcionar seus clientes.
Dessa vez uma senhora chegou à barraca, Laís muito educada falou baixo: “é com você”. Os idosos em geral são muito simpáticos: “bom dia minha filha, eu quero uma pamonha doce”, Pra levar ou comer aqui? ”pra levar”, peguei a pequena sacola plástica que deu um pouco de trabalho para abrir devido à umidade, entreguei para a senhora - “quanto é moça?” R$ 2,50. Estava tão preocupada em atender bem e não derrubar nada, que se ela não perguntasse o preço talvez tivesse esquecido de cobrar.
Terminei de atender e não me contive. Como fui Laís? “ta certinho é assim mesmo”.
A minha barraca era no corredor central, na frente tinham produtos orientais, do outro lado eu conseguia ver muito bem minhas colegas Simone e Jéssica. Si estava um pouco preocupada ainda, conversando com as moças. A Jé não perdeu tempo, estava saboreando uma tapioca.
Era cedo, tinham muitos idosos na feira, fazendo as compras para semana, alguns levavam os quitutes para tomar o café em casa, outros comiam por ali.
O movimento estava bom, havia atendido meu primeiro cliente, estava mais tranqüila.
Aos poucos o movimento foi aumentando, um cliente aqui, outro ali, em alguns momentos nós duas estávamos atendendo. Um senhor reclamou do aumento de cinqüenta centavos, Laís explicou que nessa época está difícil de conseguir o milho, os fornecedores estão cobrando a mais, o senhor retruca “mas vocês precisam ter plantação”, Laís entrega o troco e com sorriso no rosto agradece o cliente.
O tempo foi passando, não é fácil ficar o tempo todo em pé, vento gelado, com chuva fina, mais ou menos 15⁰.
Com o olhar procuro novamente minhas colegas, Simone estava junto às atendentes conversando com clientes. Para minha surpresa a Jéssica estava fazendo tapioca, toda jeitosa, curioso é que não tinha cliente na barraquinha, a tapioca era para ela, Simone e eu experimentamos e aprovamos!
Sem dispersar muito voltei à atenção para minha função, o legal de estar na barraca da PAMONHA, é que as pessoas que chegavam ali já sabiam o que queriam, a maioria prefere o quitute doce, de 22 pamonhas vendidas durante o tempo que estive ali, apenas uma era salgada.

Quem "qué", quem "qué" o pastel da Dona Zé?
Viver a realidade de uma garçonete na feirinha é um tanto desafiador e também cheio de ansiedades. Um dos primeiros pensamentos que surgem é: RESPONSABILIDADE, afinal de contas, servir as pessoas é exercer um cargo de confiança.
Na Barraca da Zé tudo é organizado: uniformes brancos, lavatório, panos de prato limpos, bandejas, enfim, um local que lembra limpeza e praticidade. Se não fosse o clima chuvoso, a barraca já estaria “abarrotada” de gente, isso sem contar que o movimento fica mais intenso na metade da manhã que é quando acaba a  missa matinal e os fiéis saem famintos rumo à feira. 
Já são sete anos de serviço no mesmo local, dias de feira vividos entre chuva, sol, calor, inverno, dificuldades e bonança, mas que hoje refletem em experiência e satisfação no rosto da proprietária da barraca de pastel mais freqüentado da feirinha municipal.
O tão conhecido mau humor matinal não pode estar na vida de uma garçonete, ela tem que no mínino receber as pessoas com um cumprimento simpático e verdadeiro. Cliente é inteligente, se ele se sente bem acolhido, certamente voltará.
De repente dois, três, cinco pessoas fazendo os seus pedidos. Veio a apreensão, comecei a observar a expressão dos clientes, eles ficam indecisos entre os sabores. A vontade é de  ajudar a decidirem. Calma, tenha calma! Quantos guardanapos se podem entregar? Gostam de catchup ou maionese? Tá muito quente o pastel? Será que a dona da barraca se importa que eu  converse um pouco com a cliente ou isso seria “matar o tempo”?
“O cliente tem sempre razão” – isso pode ser óbvio para quem está do lado de fora do balcão, mas quando se está desse outro lado o medo de cometer um deslize é real. Devolver um troco errado, um objeto estranho no alimento, um pedido equivocado. Sim, isso pode acontecer.
Quem quer pastel e café com leite, quer também um “bom dia”, um sorriso estampado no rosto, um bate-papo descontraído enquanto saboreia o queijo derretido no meio da massa crocante. Conversei mais que dez minutos com a Dona Delsa, uma catarinense de 65 anos, ex-bancária e hoje corretora de imóveis, ela me contou que vem durante a semana na feira e todos os domingos ela toma o seu café da manhã na Barraca da Zé. Para ela, é um prazer vir na feira.    
A chuva intensificou, as cadeiras e mesinhas de plásticos estavam molhando , temos que colocar em pé as cadeiras para não empossar a água, isso foi rápido. Abaixar o toldo para que não molhem os clientes. Na barraca da Zé tem esse conforto.  Olho para as minhas amigas nas outras barracas, elas estão lá, assim como eu, atentas e conversando com as proprietárias, certamente tentando aprender mais sobre esse universo.      
Me aproximo de uma família que chegou na barraca e descubro que eles não são do Paraná, são do Mato Grosso do Sul e vieram conhecer a feirinha. Noto que para eles essa experiência está sendo muito agradável e  a vovó está nitidamente feliz por estar ali com a filha, o genro e os netinhos. Resolvo não “esticar” o assunto e deixar eles desfrutarem desse tempo precioso em família.
O tempo está acabando, a chuva está ficando mais forte. É hora de ir embora. As pessoas ainda estão sorrindo e logo vão pedir o segundo pastel. Mas temos que ir embora. Me despeço, agradeço a oportunidade e saio dali pensando: “ ser uma garçonete na feira é relacionamento, é servir aos outros com alegria,  eu deveria vir mais na feira”. Enfim, o domingo apenas começou e  com certeza, assim com eu, muitos ali foram para as suas casas na expectativa de que no próximo domingo tem mais pastel, tem mais feirinha, tem mais alegria!   

Quem quer tapioca fresquinha?
Atrás da barraquinha de tapioca, a correria é grande. Ainda bem que a chuva assustou os clientes e deu tempo até de aprender a fazer uma tapioca. É bem simples de entender "como" se prepara uma tapioca, a dificuldade está na hora de executar cada um dos passos em menos de três minutos. Para quem costuma usar só o microondas ver o fogão já assusta, eu fiquei com as pernas bambas na hora de fazer, mas aprendi. Consegui até guardar na cabeça a receita: duas colheres de farinha com polvilho na panela quente, coloca o recheio, fecha como um pastel, coloca no saquinho. Aí vem a receita da ordem de ações de uma garçonete, que deve ser cumprida a risca: leva o produto na mesa de quem fez o pedido pega o dinheiro, vai na barraquinha pega o troco, retorna a área das mesas e entrega as moedinhas que sobraram.
Esse percurso não é grande, mas é bem apertado. Entre uma barraquinha e outra a distância é de um metro. Em frente à barraca, ficam as mesas a céu aberto, e dentro dos 4m² da barraquinha fica toda a produção das “tapioqueiras”. Que não param um minuto!
Contando assim para bastante simples, até mesmo fácil. Fácil? Em uma manhã de produção, pés inchados e muita dor de cabeça. O esforço de uma garçonete não é fisicamente pesado, mas exige raciocínio rápido e muita simpatia. Aquela velha história de que essas profissionais são os ouvidos dos que passam por ali, é bem verdade. Nas horas que fiquei na barraca da Dona Lílian e da Dona Nívea escutei pai reclamando filho, filho falando da mãe, marido contando sobre a briga com a esposa, e, principalmente, homens e mulheres questionando o tempo: será que essa chuva vai continuar por muitos dias? A resposta sempre acompanhada de um sorriso, e claro, da típica frase: mais alguma coisa?
As conversas cordiais e os atendimentos ficam divididos entre os dois ambientes que a cada minuto tem o cenário alternado pela passagem de algum cliente, pelo próprio corre-corre das proprietárias. Enquanto as famílias e os “casaizinhos” aproveitam as deliciosas tapiocas, eu atrás do balcão limpava as vasilhas de farinha, as colheres que ficam dentro dos recheios, as panelinhas em que a tapioca fica para endurecer.
Daqui consigo ver também as minhas colegas, a da pamonha e a do pastel. No começo meio perdidas como eu. O medo do trio era um só, derrubar tudo pelo chão, já que temos uma característica em comum, ser desastrada. Depois de habituadas ao ambiente, as tarefas começaram a ficar divertidas, quando vimos o tempo já tinha passado rapidinho, e o que sobrou foi mesmo uma grande experiência.
 No fim das contas, o que dá para se ter certeza é de que com muito jogo de cintura as garçonetes mantêm a clientela cuidando do atendimento e da qualidade do produto servido. A rotina de quem acorda às 6h30 da manhã para ajudar a organizar tudo o que deve estar pronto quando o primeiro cliente chegar é cansativa e ao mesmo tempo muito gratificante. A cada pedido atendido corretamente, o sentimento é de dever cumprido. E, essa sensação de garçonete só mesmo quem viveu para saber como é!  
Saímos da Feira com o sorriso lá na orelha, não derrubamos nada! Fizemos tudo direitinho e de quebra levamos muita história para contar... Que domingo!

Jéssica Moreira
Maria Fernanda Kusmirski
Simone Lima


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