domingo, 29 de maio de 2011

Linda, linda



Ele tinha os olhos fixos na mocinha que estava sentada, lá no canto da discoteca, na pequena cidade de Imaruí, Santa Catarina. Todas as mulheres que estavam no baile dançavam e tentavam ter, pelo menos, um tiquinho da atenção dele, mas a única que havia ganhado merecimento de profundo olhar era ela: Maria de Fátima de Souza Lima. No meio da festa, começa a tocar uma música romântica. No ambiente ouvia-se Tim Moore cantar “Yes”. O moço parecia ter ouvido a deixa da canção e se aproximou dela. O jovem Alaor segura a mão que iria acompanhá-lo por mais tantos anos.
Ah, o destino. A moça nem queria ir ao baile. Sentia-se envergonhada pelo que havia ocorrido um ano e meio antes: apaixonou-se por um rapaz, que passava todos os dias em frente ao seu trabalho, em Florianópolis. Uma amiga dela namorava o primo desse amor platônico e fez as formalidades de apresentação. Daí em diante, foi um curto passo até o namoro. O nome dele era Patrício. “Ele era muito galinha”. E em meio à paixão, a catarinense acabou engravidando do Patrício. Ele fugiu da responsabilidade, como seus homônimos da Roma Antiga fugiam dos tributos.
E a Maria? Ficou desolada. “Sofri muito, porque eu o amava. Ele foi meu primeiro homem”, conta entristecida. Pensava na vergonha que estaria causando a seus pais. Mas o amor do seo Antonio e da dona Idalina não se abalou por isso. Eles acolheram a filha grávida e cuidaram-na como se fosse uma princesa.
Foi justamente o seo Antonio que aconselhou a filha a ir ao baile que mudaria a vida dela. Ele percebia que ela andava triste, cabisbaixa, e queria vê-la feliz. “Meus pais me amavam de paixão”.
Depois da primeira dança, uma vida inteira seria dividida. No outro final de semana, Alaor foi à casa de Maria pedi-la em namoro, e quando já fazia três meses que estavam juntos, convidou-a para vir conhecer a família dele, que morava em Cascavel, Paraná. Ficaram 3 dias aqui. Depois retornaram para Santa Catarina.
Tudo ia bem. Eles planejavam “juntar as escovas de dente” logo. Mas um desastre acabou adiando a união. No dia 18 de novembro de 1986, Maria estava voltando de uma cidade vizinha com seu patrão e os filhos dele, quando sofreu um acidente de carro. Ela tinha ido regularizar os documentos para o casamento. Ela se machucou bastante e ficou engessada por um mês. Somente no dia 23 de dezembro o sonho dos dois pode ser concretizado: vieram para Cascavel, construir sua vida a dois.
A situação não era das melhores. Por isso, ela deixou o filho, Lucas, com seus pais, em Imaruí. Depois de um ano no oeste paranaense foi buscar o filho.
“Passamos fome, foi muito difícil. Eu morava num paraíso, com meus pais e não sabia.” Alaor ficou sem emprego por um tempo e Maria, como não conhecia nada na cidade, também não foi atrás de trabalho. Lá, em Imaruí, a vida era farta. Ela, os pais e os 14 irmãos moravam em uma fazenda, que o seo Antonio herdou de seu pai. “Um lugar lindo. Tinha vários animais, um cafezal, um engenho de farinha de mandioca. Tínhamos do bom e do melhor”, enfatiza. O pai cuidava das lavouras e dos animais, e a mãe trabalhava em um Colégio na cidade. Enquanto a mãe ganhava o dinheirinho para ajudar no orçamento da família, Maria cuidava dos irmãos e da casa. “Depois que comecei a cuidar da casa, minha mãe não sabia nem onde estavam as cuecas do meu pai. Tudo era eu quem fazia.”
Os problemas em Cascavel se agravaram quando o filho de Maria veio morar com ela e o marido. Alaor tinha ciúmes do menino, que recebia muita atenção da esposa. “Eu venci essa batalha, com muita conversa e cautela. Sabia que ele um dia iria relevar e perceber que se desse amor, receberia amor do meu filho.” E foi o que aconteceu. Alaor até registrou o menino.
Logo, Lucas ganhou uma irmãzinha, Isabela. E dois anos depois veio a Jéssica. A família estava  formada. E falar de família com a Maria é pedir para que seus olhos se encham de lágrimas. Ela recorda com muita riqueza de detalhes a relação que tinha com os pais e que, mesmo com todos os empecilhos no caminho, o sentimento jamais foi, sequer, arranhado. “Vou visitar minha família de vez em quando. Meu pai, infelizmente, faleceu, e minha mãe ainda está viva, com 80 anos, doentinha. Antes de meu pai ir embora para sempre, lembro que assim que eu chegava na porta de casa, ele exclamava: ‘Oh, linda, linda que bom que você chegou’. Aquilo enchia meu coração de amor, respeito e carinho por aquele homem que tanto me ensinou na vida.”
Hoje, Maria trabalha em uma faculdade como faxineira. Seu marido é pedreiro. Os dois filhos mais velhos fazem faculdade. Os desafios da vida fizeram-na cada dia mais sorridente, com seus cabelos ruivos cacheadinhos e curtos que dão aquele ar de doçura e simpatia, os quais me aproximaram dela para contar essa história. Mulher lutadora. Quem diria que uma senhora baixinha, com uma voz tão calma e com tanta serenidade no olhar, poderia ter uma força de uma gigante para por a sua família nos trilhos do carinho, da harmonia e da compreensão? Pois é, essa grande esposa, mãe e pessoa fez das dificuldades escadas para conseguir ser feliz.


Por Tátila Pereira

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