Ele tinha os olhos fixos na mocinha que estava sentada, lá no canto da discoteca, na pequena cidade de Imaruí, Santa Catarina. Todas as mulheres que estavam no baile dançavam e tentavam ter, pelo menos, um tiquinho da atenção dele, mas a única que havia ganhado merecimento de profundo olhar era ela: Maria de Fátima de Souza Lima. No meio da festa, começa a tocar uma música romântica. No ambiente ouvia-se Tim Moore cantar “Yes”. O moço parecia ter ouvido a deixa da canção e se aproximou dela. O jovem Alaor segura a mão que iria acompanhá-lo por mais tantos anos.
Ah, o destino. A moça nem queria ir ao baile. Sentia-se envergonhada pelo que havia ocorrido um ano e meio antes: apaixonou-se por um rapaz, que passava todos os dias em frente ao seu trabalho, em Florianópolis. Uma amiga dela namorava o primo desse amor platônico e fez as formalidades de apresentação. Daí em diante, foi um curto passo até o namoro. O nome dele era Patrício. “Ele era muito galinha”. E em meio à paixão, a catarinense acabou engravidando do Patrício. Ele fugiu da responsabilidade, como seus homônimos da Roma Antiga fugiam dos tributos.
E a Maria? Ficou desolada. “Sofri muito, porque eu o amava. Ele foi meu primeiro homem”, conta entristecida. Pensava na vergonha que estaria causando a seus pais. Mas o amor do seo Antonio e da dona Idalina não se abalou por isso. Eles acolheram a filha grávida e cuidaram-na como se fosse uma princesa.
Foi justamente o seo Antonio que aconselhou a filha a ir ao baile que mudaria a vida dela. Ele percebia que ela andava triste, cabisbaixa, e queria vê-la feliz. “Meus pais me amavam de paixão”.
Depois da primeira dança, uma vida inteira seria dividida. No outro final de semana, Alaor foi à casa de Maria pedi-la em namoro, e quando já fazia três meses que estavam juntos, convidou-a para vir conhecer a família dele, que morava em Cascavel, Paraná. Ficaram 3 dias aqui. Depois retornaram para Santa Catarina.
Tudo ia bem. Eles planejavam “juntar as escovas de dente” logo. Mas um desastre acabou adiando a união. No dia 18 de novembro de 1986, Maria estava voltando de uma cidade vizinha com seu patrão e os filhos dele, quando sofreu um acidente de carro. Ela tinha ido regularizar os documentos para o casamento. Ela se machucou bastante e ficou engessada por um mês. Somente no dia 23 de dezembro o sonho dos dois pode ser concretizado: vieram para Cascavel, construir sua vida a dois.
A situação não era das melhores. Por isso, ela deixou o filho, Lucas, com seus pais, em Imaruí. Depois de um ano no oeste paranaense foi buscar o filho.
“Passamos fome, foi muito difícil. Eu morava num paraíso, com meus pais e não sabia.” Alaor ficou sem emprego por um tempo e Maria, como não conhecia nada na cidade, também não foi atrás de trabalho. Lá, em Imaruí, a vida era farta. Ela, os pais e os 14 irmãos moravam em uma fazenda, que o seo Antonio herdou de seu pai. “Um lugar lindo. Tinha vários animais, um cafezal, um engenho de farinha de mandioca. Tínhamos do bom e do melhor”, enfatiza. O pai cuidava das lavouras e dos animais, e a mãe trabalhava em um Colégio na cidade. Enquanto a mãe ganhava o dinheirinho para ajudar no orçamento da família, Maria cuidava dos irmãos e da casa. “Depois que comecei a cuidar da casa, minha mãe não sabia nem onde estavam as cuecas do meu pai. Tudo era eu quem fazia.”
Os problemas em Cascavel se agravaram quando o filho de Maria veio morar com ela e o marido. Alaor tinha ciúmes do menino, que recebia muita atenção da esposa. “Eu venci essa batalha, com muita conversa e cautela. Sabia que ele um dia iria relevar e perceber que se desse amor, receberia amor do meu filho.” E foi o que aconteceu. Alaor até registrou o menino.
Logo, Lucas ganhou uma irmãzinha, Isabela. E dois anos depois veio a Jéssica. A família estava formada. E falar de família com a Maria é pedir para que seus olhos se encham de lágrimas. Ela recorda com muita riqueza de detalhes a relação que tinha com os pais e que, mesmo com todos os empecilhos no caminho, o sentimento jamais foi, sequer, arranhado. “Vou visitar minha família de vez em quando. Meu pai, infelizmente, faleceu, e minha mãe ainda está viva, com 80 anos, doentinha. Antes de meu pai ir embora para sempre, lembro que assim que eu chegava na porta de casa, ele exclamava: ‘Oh, linda, linda que bom que você chegou’. Aquilo enchia meu coração de amor, respeito e carinho por aquele homem que tanto me ensinou na vida.”
Hoje, Maria trabalha em uma faculdade como faxineira. Seu marido é pedreiro. Os dois filhos mais velhos fazem faculdade. Os desafios da vida fizeram-na cada dia mais sorridente, com seus cabelos ruivos cacheadinhos e curtos que dão aquele ar de doçura e simpatia, os quais me aproximaram dela para contar essa história. Mulher lutadora. Quem diria que uma senhora baixinha, com uma voz tão calma e com tanta serenidade no olhar, poderia ter uma força de uma gigante para por a sua família nos trilhos do carinho, da harmonia e da compreensão? Pois é, essa grande esposa, mãe e pessoa fez das dificuldades escadas para conseguir ser feliz.
Por Tátila Pereira
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